Trem da Supervia (Foto: Supervia/Aline Massuca)

Respondendo: muitas coisas. Assim como um desastre aéreo, que não ocorre apenas por uma única razão, a situação da operadora fluminense, também não ocorre por um motivo. São vários que, após se encadearem, fizeram a empresa ferroviária colapsar. Mas antes de continuar o artigo é preciso ter ciência do forte papel social de um serviço de transporte público coletivo, seja por trilhos, seja por pneus. 

A Supervia nasceu a partir da concessão da Companhia Fluminense de Trens Urbanos (Flumitrens), empresa estatal criada a partir da cisão da malha da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), que assumiu o sistema sobre trilhos no estado do Rio de Janeiro. A desestatização ocorreu no ano de 1998, e a promessa era que a iniciativa privada fizesse os investimentos tão necessários, fato que, como podemos ver, não ocorreu, ao menos na intensidade que se esperava.

O Plamurb chegou a escrever um artigo sobre a empresa, com vários detalhes e um histórico anual com algumas das melhorias. Caso queira ler, basta clicar aqui.

Mas vamos lá. Na segunda-feira, dia 07 de junho, a Supervia ajuizou no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), um pedido de recuperação judicial com base na Lei de Recuperação Judicial e Extrajudicial e de Falências (LRF). O pedido tem como objetivo preservar a prestação de serviço aos milhares de passageiros de trens da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e iniciar um novo ciclo de negociação junto aos credores e ao Poder Concedente a fim de superar a atual crise financeira pela qual passa a concessionária.

Segundo consta em sua página na internet, a empresa foi duramente impactada pelos efeitos da pandemia do COVID-19. Desde março de 2020, acumula uma perda financeira de mais de R$ 474 milhões, resultado da redução de mais de 102 milhões de passageiros até 2 de junho de 2021. Antes da pandemia, a concessionária transportava 600 mil passageiros/dia. Atualmente, o fluxo diário se estabilizou em 300 mil passageiros/dia. Com o agravamento da pandemia e da crise econômica e social do Rio de Janeiro, a recuperação total do fluxo de passageiros está prevista apenas para 2023.  

Assim como todo o sistema de passageiros do Rio de Janeiro, a Supervia não conta com qualquer subsídio do governo e se mantém basicamente com recursos da venda das passagens. As dívidas da empresa somam aproximadamente R$ 1,2 bilhão, grande parte dela acumulada para pagar o custo da operação deficitária durante a pandemia. 

Ainda consta que a empresa seguirá buscando o necessário e urgente reequilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão junto ao Poder Concedente (Governo do Estado do Rio de Janeiro). No último dia 13 de abril, a Agetransp (Agência Reguladora dos Transportes do Estado do Rio de Janeiro) reconheceu a responsabilidade do Poder Concedente em promover o ressarcimento emergencial à Supervia de R$ 216 milhões, valor esse correspondente à complementação dos custos mínimos da concessionária para garantir a manutenção da operação durante a pandemia.

Para o Plamurb, entender como a Supervia chegou a essa situação não é difícil. Difícil é saber como e quando ela sairá dessa situação.

Para começar, a concessão feita em 1998 foi realizada, de forma incorreta, sem que ficasse claro as obrigações das duas partes. Assim como o MetroRio, que também foi desestatizado quase que nessa época, a gestão do então governador Marcelo Alencar (PSDB) realizou uma série de concessões e privatizações durante o seu mandato, entre 1994 e 1998. Pela quantidade de desestatizações em um curto período, é quase certeza que os estudos não foram aprofundados. Para fazer uma comparação, basta lembrar que entre os estudos de concessão da Linha 5-Lilás até o leilão, foram pouco mais de três anos. E, detalhe: apenas 1 linha.

No caso do Rio de Janeiro, a Flumitrens tinha uma malha gigantesca, dezenas de estações, uma frota grande e diversos problemas. Era de se esperar que por conta da complexidade, uma concessão deveria ter todos os detalhes muito bem esclarecidos para se evitar problemas futuros. Ficou claro que a concessão foi feita às pressas, como forma de se livrar de um “abacaxi”.

Outro ponto que merece destaque é a geografia da malha ferroviária. As linhas da Supervia passam por várias regiões onde nível de segurança deixa a desejar. Essas externalidades acabam por comprometer a operação. Tiroteios, furtos, vandalismo, roubo de cabos e equipamentos ferroviários, infelizmente, se tornaram comuns. A segurança pública, obrigação do poder concedente, simplesmente não existe. Para quem simpatiza com o tal do estado mínimo, eis aí um bom exemplo.

O fato de não haver subsídios e a empresa se sustentar, basicamente, com o dinheiro oriundo das tarifas é um modelo que já está fadado ao fracasso. Nessa pandemia isso ficou claro. O blog, inclusive, já escreveu um artigo falando sobre a necessidade de se buscar novas fontes de financiamento do transporte.

Mas quando se fala em subsídio, é preciso achar um ponto de equilíbrio. Se por um lado, deixar de aportar ajudas financeiras, como no RJ, é um equívoco, sustentar uma empresa, como acontece aqui em São Paulo, também é um erro, basta lembrar do R$ 1 bilhão de reais que o governo paulista pagou à ViaQuatro.

Esse ponto de equilíbrio pode e deve ser atingido a partir do momento onde governo e concessionária cheguem em um acordo sobre custos operacionais, o papel social do serviço e como o valor tarifário cobrado pode impactar no bolso do passageiro.

Para ficar mais claro, aqui em São Paulo, nas concessões de linhas de metrô, há uma clausula contratual onde o governo garante compensações financeiras caso a demanda fique abaixo do estimado. Por isso que a ViaQuatro e a ViaMobilidade, operadoras das linhas 4-Amarela e 5-Lilás, respectivamente, estão passando ilesas com essa queda brutal de demanda por conta da pandemia.

Particularmente somos contra essa tal clausula, pois em uma concessão, as empresas devem estar cientes de que a demanda pode ficar abaixo do estipulado. Entretanto, uma ajuda em situações como a da pandemia deve sim existir, justamente para que o serviço não seja paralisado, fato que quase ocorreu ano passado com a própria Supervia.

Quando se fala da tarifa, esse é mais um elo da situação atual da empresa. Por conta da manutenção do sistema, basicamente, por meio do valor pago pelo passageiro, a Supervia tende a jogar todo o custo na tarifa. Aumentos muitos acima do ideal chegam a ser comuns. O último, por exemplo, está em R$ 5,90. Com um custo tarifário alto, os passageiros podem procurar outras alternativas de deslocamento mais baratas. Por esta razão, a demanda acaba ficando menor, enfim, acaba virando um círculo vicioso.

O fato é que a Supervia, infelizmente, nunca se consolidou. Nunca mostrou a que veio. Desde o início de suas operações, sempre foi meio capenga, embora seu esforço seja louvável. Um sistema sobre trilhos é caro para se manter, tem pouca flexibilidade e tem custos fixos altos. O Estado também tem uma boa parcela de culpa, pois não garantiu as mínimas condições para que a empresa pudesse operar de forma satisfatória.

Resta saber, agora, o que irá acontecer com os 270 km de trilhos. Pedir recuperação judicial não significa falência da empresa, mas talvez, o governo tenha que intervir ou aportar recursos e aí coloca-se em xeque aquele argumento de que “basta privatizar que o problema é resolvido”.  Se a coisa fosse tão simples assim.

Falando em intervenção do governo, muito embora tenhamos uma opinião contrária a concessões (principalmente como é feito em São Paulo), não enxergamos e nem apoiaríamos uma reestatização, não, ao menos, nesse momento, uma vez que a saúde financeira do estado está sofrível. No futuro, esse seria o melhor caminho, assim como ocorreu em outras cidades do mundo.

Enquanto o transporte público for visto como um produto de prateleira, veremos muitas “supervias” por aí. As empresas de ônibus que o digam. Como escrevemos em um artigo, em 2020, houve várias greves, demissões e falência de empresas. O modelo atual precisa ser reconstruído. Do jeito que está, não funciona mais.