Trem da Linha 4-Amarela (Foto: Thiago Silva)

O Plamurb foi um dos primeiros blogs, que escreve textos de opinião, a abordar o assunto Linha 4-Amarela. Até o momento foi o artigo mais acessado e pelo retorno positivo que tivemos, mostra que havia muitas questões que ainda eram desconhecidas pelas pessoas e que o governo não se esforçava muito para que viessem à tona.

A Linha 4-Amarela é operada pela ViaQuatro, do Grupo CCR, que foi a primeira Parceria Público-Privada (PPP) do governo em uma obra de metrô. As obras foram iniciadas em 2004, sendo que o início da operação de um pequeno trecho se deu em 2010. Entretanto, até o momento, inacreditavelmente, a linha não foi concluída, restando ainda a Estação Vila Sônia.

Nessa PPP o estado se encarregaria das obras civis, enquanto a ViaQuatro ficaria responsável pela compra dos trens, instalação do Centro de Controle Operacional (CCO), sinalização e outros pequenos detalhes.

O que poucos sabem é que o projeto original previa que a linha fosse toda construída pelo parceiro privado, porém, isso acabou por afastar os investidores. O governo, então, recuou, e firmou a parceira da forma como a conhecemos hoje. Mas ainda assim, para garantir que isso atraísse a iniciativa privada, o contrato foi montado de modo a dar muitas garantias para a concessionaria que viesse operar o ramal, mesmo que, para isso, o estado fosse onerado.

Entre as garantias estavam o valor alto da tarifa de remuneração, a prioridade no saque da Câmara de Compensação e a promessa de não haver concorrência com as linhas intermunicipais geridas pela Empresa Metropolitana de Transporte Urbano (EMTU). Você não leu errado.

De lá para cá, como todos sabem, as obras atrasaram, e a conta foi chegando para o governo estadual, que se viu obrigado a fazer repasses para a empresa privada. Esses repasses acabaram por prejudicar tanto o Metrô quanto a CPTM, que viram parte de suas arrecadações serem remanejadas para a ViaQuatro, algo que persiste até os dias atuais.

Vale ressaltar que com a entrada da ViaMobilidade, do mesmo Grupo CCR, ela também possui prioridade na Câmara de Compensação, ficando à frente das duas empresas públicas estaduais.

Por ser uma empresa com diversos acionistas, a CCR tem por obrigação sempre divulgar seus balanços, bem como outras informações. E foi isso o que ela fez na data de ontem, dia 23 de março, mostrando que o governo estadual deve à ViaQuatro uma verba bilionária, referente a equilíbrio financeiro por conta de atrasos e outras obrigações não cumpridas. Vamos reproduzir na íntegra e colocar o link:

“A CCR S.A. (“Companhia”) (B3: CCRO3; Bloomberg: CCRO3 BZ; Reuters: CCRO3.SA) informa que foram celebrados, na presente data, os Termos Aditivos nº 06 e nº 07 ao Contrato nº 4232521201 (“Contrato de Concessão”), entre sua controlada direta Concessionária da Linha 4 do Metrô de São Paulo S.A. (“ViaQuatro”) e o Estado de São Paulo, por intermédio da Secretaria de Transportes Metropolitanos (“Poder Concedente”), cujo extrato será publicado no Diário Oficial do Estado, conforme previsto na Lei n.º 8.666/1993.

O Termo Aditivo nº 06 ao Contrato de Concessão estabeleceu (i) o valor bruto devido pelo Poder Concedente à ViaQuatro a título de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, no montante de R$ 705.378.318,41 (setecentos e cinco milhões, trezentos e setenta e oito mil, trezentos e dezoito reais e quarenta e um centavos), na data-base de março de 2020, em razão do atraso na conclusão das obras da Fase I da concessão e no seccionamento de linhas intermunicipais geridas pela EMTU; e (ii) que o reequilíbrio será implementado mediante a revisão na Tarifa de Remuneração da ViaQuatro, no período entre 1º de janeiro de 2021 e 31 de dezembro de 2037.

O Termo Aditivo nº 07 ao Contrato de Concessão fixou (i) o novo valor mensalmente devido pelo Poder Concedente à ViaQuatro a título de Compensação de Atraso da Fase II, no valor de R$ 353.344,58 (trezentos e cinquenta e três mil, trezentos e quarenta e quatro reais e cinquenta e oito centavos), na data base julho de 2006, para a Estação Morumbi, e (ii) o valor devido mensalmente de R$ 1.117.799,20 (um milhão, cento e dezessete mil, setecentos e noventa e nove reais e vinte centavos), na data base de julho de 2006, para a Estação Vila Sônia, por cada mês completo de atraso de cada uma das Estações. Estabeleceu, ainda, o pagamento, em dinheiro e em até 20 dias contados da data de assinatura do referido aditivo, do montante de R$ 91.607.852,02 (noventa e um milhões, seiscentos e sete mil, oitocentos e cinquenta e dois reais e dois centavos), na data-base de fevereiro de 2021, relativo à somatória dos valores já devidos pelo Poder Concedente a título de Compensação de Atraso da Fase II relacionados ao atraso nas Estações Morumbi e Vila Sônia, valor que, caso não pago, tornará o aditivo sem eficácia.

A assinatura dos Termos Aditivos nº 06 e nº 07 ao Contrato de Concessão traduz o respeito do Grupo de CCR à parceria de longa data com o Estado de São Paulo e ao seu compromisso com o desenvolvimento da infraestrutura no Estado.”

Como podem ver o Termo nº 06 trata-se de um reequilíbrio financeiro no valor de mais R$ 700 milhões de reais por conta dos atrasos na Fase I e do não seccionamento das linhas da EMTU. Para entender: no contrato de concessão estava previsto que a Linha 4-Amarela não poderia ter concorrência das linhas intermunicipais. As linhas em questão deveriam ser seccionadas em alguma estação da linha, de modo que o passageiro tivesse que fazer uma viagem integrada. Como nem todas as linhas foram seccionadas, o governo precisa ressarcir a ViaQuatro.

Para quem acompanha o Plamurb há tempos, sabe que somos críticos a esse excesso de seccionamentos e isso se aplica às linhas intermunicipais também. Seccionar uma ou outra linha, tudo bem, agora muitas ou até todas não faz o menor sentido. Ao passageiro deve-se dar todas as opções disponíveis.

Fala-se tanto na iniciativa privada, em liberalismo, mas ao mesmo tempo temos um claro monopólio. Já pensou se isso tivesse sido aplicado ao Metrô ou CPTM. Iam chover críticas e pedidos de “privatização” dessas empresas. Pior: há os liberais que são a favor de concessão que apoiam isso. É hipocrisia que se chama?

Como o reequilíbrio se dará por meio da revisão da tarifa de remuneração (que é diferente da tarifa pública, aquela que o passageiro paga efetivamente), é provável que os valores retirados da Câmara de Compensação pela ViaQuatro sejam maiores, desfalcando ainda mais a CPTM e o Metrô. Percebem o tamanho do problema?

O Termo nº 07 trata do valor que será pago mensalmente pelo governo à concessionária em decorrência dos atrasos das estações Morumbi e Vila Sônia. Considerando a soma do montante, essa indenização ultrapassará tranquilamente a casa do bilhão e em um momento em que os recursos estão cada vez mais escassos.

Em outras palavras, essa obrigação pode, inclusive, afetar a capacidade de investimento na modernização das linhas atuais ou construções de novas, atrasando ainda mais linhas que já estão atrasadas. Virou uma bola de neve.

À época, o governo comemorou a celebração desse contrato por permitir que a Linha 4-Amarela saísse do papel, mas só agora que estamos tendo ciência do que foi necessário e do que o governo teve que se sujeitar para que a PPP fosse efetivada. Mais do que isso, essa indenização mostrou que o governo tem se “sacrificado” para manter o contrato em pé. Onde estavam os órgãos fiscalizadores na época que permitiram esse completo absurdo? Lembrando que a recomendação para que essa linha tivesse uma operação privada partiu do Banco Mundial.

Hoje não temos dúvida alguma que a sairia muito mais barato para o governo se ele tivesse construído e operado a linha. Com certeza os atrasos ocorreriam, mas ao menos não teriam que ressarcir ninguém por conta disso.

O fato é que no Brasil não existe iniciativa privada sem uma Estado por trás bancando algo. É assim com a Linha 4-Amarela, em menor escala com a Linha 5-Lilás e será assim com a concessão das linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda.

Vejam no Rio de Janeiro, onde MetrôRio e a SuperVia quase pararam suas operações ano passado pelo fato de lá não haver subsídios públicos.

Por isso que beira a desonestidade apoiar essas concessões se levarmos em conta como elas são levadas adiante. Ser liberal e a favor de desestatização, ok, mas apoiar incondicionalmente sem se atentar aos mínimos detalhes, só por orgulho, nos desculpem, não dá. Aliás, é por isso que o governo segue em frente, pois há muitos que endossam, mesmo que indiretamente.

Se a iniciativa privada quer operar linhas de metrô ela será muito bem-vinda, mas que assuma boa parte dos riscos que projetos desse tipo possuem. Por que, até o momento, que tem assumido tais riscos é sempre o Estado, ou melhor, o contribuinte, pois é do nosso bolso que saem as verbas para manter esses contratos irracionais.