Trólebus no centro de São Paulo (Foto: Thiago Silva)

Um dos maiores reveses do sistema trólebus é a sua baixa flexibilidade quando da necessidade de eventuais alterações de rotas ou traçados por qualquer que seja a razão. Ao longo dos anos, todos os sistemas que operam ou já operaram no Brasil sofreram com isso. Houve casos, inclusive, que uma linha foi totalmente desativa pelo simples fato de alteração da mão de direção de via ou uma alteração de uma quadra, por exemplo.

Evidentemente que por trás dessa baixa flexibilidade, também está a má vontade do poder público que desdenha do sistema e encontra dificuldades em qualquer alteração da rede aérea. Um dos casos mais conhecidos em São Paulo foi o do corredor 9 de Julho/Santo Amaro, que teve seus trólebus removidos porque a gestão Marta Suplicy (PT à época) se negou a deslocar a rede aérea em poucos metros adequando-se à nova configuração do referido corredor.

Além desses problemas pontuais, há problemas históricos, onde algumas linhas não acompanham o crescimento da cidade, ficando com o mesmo itinerário de décadas atrás, deixando de atender as pessoas de forma plena. A consequência principal disso são linhas de baixa demanda, algo completamente inviável em se tratando da tecnologia trólebus. Parte das rotas que operavam na zona norte de São Paulo sofreram com esse problema.

Pensando nos problemas listados acima, o Plamurb avaliou como seria aquela rede de trólebus do ano 2000, período do auge do sistema, adaptada ou configurada para os dias atuais, corrigindo todos os problemas que não foram sanados na época e foram usados de forma desonesta para a desativação parcial do sistema, entre os anos de 2002 e 2004.

Neste caso, vamos dar um enfoque maior nas linhas que deixaram de existir ou que passaram a operar com ônibus a diesel, começando pela zona norte, região onde deu-se o início da desativação parcial do sistema. Vale ressaltar que essa configuração proposta é uma percepção pessoal, mas alinhada com as políticas de acessibilidade geográfica em se tratando de mobilidade urbana, buscando maior flexibilidade e linhas com demanda compatíveis ao sistema trólebus. Reforçamos que não vamos propor novas linhas, apenas adaptar aquelas que existiam no ano 2000. Sobre novas linhas, nós falamos neste artigo aqui.

Zona Norte

Com exceção da linha 9300 – Terminal Casa Verde / Terminal Parque Dom Pedro II, as demais linhas da zona norte foram implantadas ainda na década de 50, quando a cidade tinha uma configuração diferente da atual. Digamos que o “limite” da região era o bairro de Santana, hoje um importante polo regional sob a ótica comercial e residencial. Quando criadas, essas linhas, além de atenderem Santana, iam para além do bairro, beneficiando pessoas de menor renda e que residiam adiante do local. Isso fez com que as linhas tivessem grande uso, levando os passageiros de suas casas até o centro regional, no caso Santana, e até o centro da cidade também. É o caso dos bairros do Mandaqui, Tucuruvi, Santa Terezinha e Parque Peruche, que estavam localizados alguns quilômetros após Santana.

No começo, parte dessas linhas tinham como ponto final localizações intermediárias entre Santana e o local onde operaram até sua desativação. É caso das linhas 1301 – Parque Peruche e 107T – Tucuruvi, que antes de serem prolongadas, paravam, respectivamente, na Rua Alfredo Pujol e no bairro do Jardim São Paulo. Com o crescimento da cidade, elas foram prolongadas por volta do final da década de 60 e começo da de 70. Ainda na década de 60 foram criadas as linhas do Mandaqui e Tucuruvi que anos depois receberiam a numeração 107P e 107T respectivamente.

Mas nos anos 80, a zona norte já estava com um índice de inserção urbana completamente diferente, com moradias muito além de Santana. Bairros como o Jaçanã, que era atendido pelo famoso Trenzinho da Cantareira, Lauzane, Vila Amália, Freguesia do Ó, Pirituba e Cachoeirinha já estava com forte adensamento populacional, além de dezenas de comércios que ofertavam muitos empregos. E, infelizmente, as linhas de trólebus ficaram paradas no tempo, deixando de atender as pessoas que, agora, residiam nos bairros citados. Por que o passageiro iria se utilizar de uma linha que parava na Santa Terezinha, se o desejo de viagem dele era para o bairro do Lauzane ou Cachoeirinha? Com isso, as linhas da região tiveram uma queda abrupta de demanda, e sabemos que no sistema trólebus, é aconselhável linhas com alta demanda.

Entendendo todo esse contexto histórico, vamos com nossas sugestões.

A Linha 107P – Mandaqui/Pinheiros, era a que tinha a maior demanda das quatro da zona norte que passavam por Santana. Seu traçado era o que melhor atendia a região, não à toa que ela possuía a maior parte de veículos elétricos novos. Quando os trólebus foram removidos, a linha durou por mais 10 anos com veículos a diesel. Houve pequenas alterações, com o atendimento à Estação Santana, por meio do itinerário pela Avenida Cruzeiro do Sul e a operação pelo lado esquerdo na Avenida Ipiranga, no centro. Essas mudanças foram positivas. A sugestão seria mantê-las para os trólebus. No terminal principal do Mandaqui, a linha poderia ser prolongada até a Praça Alberto Pereira de Castro Junior, na esquina das avenidas Ultramarino e Direitos Humanos, local conhecido pela famosa “Praça do Skate”, seguindo direto pela Rua Voluntários da Pátria após o cruzamento com a Avenida Engenheiro Caetano Álvares. Na outra ponta, a linha deveria ser levada para dentro do Terminal Pinheiros, permitindo integração direta com outras linhas e a estação metroferroviária.

A linha 107T existe até hoje, mas indo apenas até Pinheiros. Porém, logo que os trólebus foram removidos, a linha operou por um período com a denominação “Jaçanã – Cidade Universitária”, passando a ir direto pela Avenida Cruzeiro do Sul e atendendo a Rodoviária do Tietê. Nesse caso, não haveria a necessidade de grandes mudanças, ou seja, os trólebus poderiam operar com esse itinerário descrito acima. A partir do Tucuruvi, a linha seguiria pela Avenida Guapira até o bairro em questão.

A linha 1428 – Santa Terezinha/Cásper Líbero era a que possuía menor demanda. Com ponto terminal inicial na Praça São Venceslau, a sugestão aqui é que a linha seguisse direto pela Rua Conselheiro Moreira de Barros. Em seguida, a linha faria conversão à esquerda na Avenida Parada Pinto, seguindo até o Terminal Cachoeirinha, permitindo assim, uma nova possibilidade e conexão para moradores da região. Uma possível alternativa pela Rua Franklin do Amaral poderia ser estudada, mas particularmente tenho preferência pelo outro trajeto. Na outra ponta, a linha seria levada para a Praça do Correio, como aconteceu brevemente após a remoção dos trólebus. O trecho em Santana seria o mesmo da 107P, aproveitando a mesma rede.

Outra linha de baixa demanda era a 1301 – Parque Peruche/Praça da República. Com ponto inicial na Praça Cruz da Esperança, a sugestão seria a linha seguir pela Avenida Casa Verde, Avenida Mandaqui, Avenida Nossa Senhora do Ó, Rua Ribeiro de Morais, passando pelo Largo da Matriz da Freguesia do Ó, seguindo pela Avenida Paula Ferreira, acessando a Avenida Edgar Facó, finalizando no Terminal Pirituba. No trecho de Santana, a ideia é utilizar a mesma rede da 107T, passando a atender a Rodoviária do Tietê. Hoje, não existe uma ligação direta entre Pirituba e Santana e a rodoviária. Seria uma conexão completamente importante, desobstruindo alguns gargalos. Na outra ponta, a linha também iria até a Praça do Correio, passando a permitir conexão com outras linhas que terminam a viagem ali.

Saindo um pouco do eixo Santana, a linha 9300 – Terminal Casa Verde / Terminal Parque Dom Pedro II, por ser uma linha de boa demanda e que circula em corredor, não sofreria grandes mudanças, até porque ela opera até hoje. Talvez um ponto a ser avaliado seria seu prolongamento no terminal até o Mandaqui, seguindo pela Avenida Engenheiro Caetano Álvares, mas que, nesse artigo, não é o foco.

Sendo assim, na zona norte, as cinco linhas passariam a ter as seguintes denominações:

  • 107P – Parque Mandaqui / Terminal Pinheiros;
  • 107T – Jaçanã / Cidade Universitária;
  • 1428 – Terminal Cachoeirinha / Praça do Correio;
  • 1301 – Terminal Pirituba / Praça do Correio
  • 9300 – Terminal Casa Verde / Terminal Parque Dom Pedro II.

Zona Oeste

A região oeste da cidade possuía apenas os bairros de Pinheiros e Butantã como destino final das linhas que vinham de outras regiões. No caso em questão, as linhas que paravam no Largo da Batata seriam levadas até o Terminal Pinheiros.

Com relação ao Butantã, a sugestão é que as linhas se adentrem ainda mais na Universidade de São Paulo (USP), passando, de fato a atender o local. Aqui, neste caso, o trajeto seria prolongado da Praça Prof. Reinaldo Porchat, passando pela Praça da Reitoria e Avenida Prof. Luciano Gualberto, retornando a partir da Praça Ramos de Azevedo.

A única linha, de fato, com ponto de inicial na zona oeste era a 702P – Pinheiros/Belém. Em 2002 essa linha foi prolongada até o Terminal Penha. Sendo assim, manteríamos esse itinerário. Entretanto, como sugestão, seria mantido o atendimento até o Belém, porém, prolongando até a estação de metrô de mesmo nome.

  • 702P – Terminal Pinheiros/Terminal Penha;
  • 702P/41 – Terminal Pinheiros/Metrô Belém (atendimento).

Zona Sul

A referida região possuía dois grupos de linhas, um deles atendendo Santo Amaro e outro, a região do Ipiranga e arredores.

As linhas que iam para Santo Amaro, no caso a 6500 – Terminal Santo Amaro/Term. Bandeira e a 637P – Term. Santo Amaro/Pinheiros possuíam alta demanda, dessa forma, não haveria a necessidade de grandes alterações. A sugestão aqui é levar a 637P para dentro do Terminal Pinheiros.

A Linha 577U – Metrô Santa Cruz/Butantã (USP) possui um traçado semiperimetral, ou seja, é uma linha de grande importância. Com as futuras linhas de metrô que seriam inauguradas anos depois, a papel da linha seria muito mais importante ainda. Portanto, a sugestão seria manter seu itinerário, respeitando o prolongamento ao Butantã citado anteriormente.

Com relação às linhas do Ipiranga e arredores, a única que não sofreria alterações seria a 4113 – Gentil de Moura/Praça da República, que opera até os dias atuais e com boa demanda. Por outro lado, tanto as linhas 4112, quanto a 408A teriam prolongamento.

No primeiro caso, a linha 4112 – Santa Margarida Maria/Praça da República, seria prolongada até o Terminal do Metrô Vila Mariana, seguindo a partir do Cemitério Vila Mariana pela Avenida Lins de Vasconcelos, respeitando o binário local. Na outra ponta a ideia seria levar até a Praça Júlio Prestes, ao lado da estação de mesmo nome da Linha 8-Diamante, permitindo conexão direta com duas estações metroferroviárias, além de ampliar o uso desta parada. O traçado, aqui, seria pela Avenida Rio Branco, virando à direita na Alameda Glete e depois na Alameda Cleveland, chegando à referida praça.  

A Linha 408A – Machado de Assis/Cardoso de Almeida, teria prolongamentos nas duas pontas. No sentido sul, em vez parar na Rua Machado de Assis, a linha, viraria à direita chegando até a Rua Vergueiro, onde terminaria o trajeto no Metrô Ana Rosa. Seria necessária uma pequena alteração no terminal, agilizando a entrada e saída dos trólebus. Na outra ponta, a linha seguiria pela Rua Cardoso de Almeida, onde acessaria a Avenida Pacaembu a partir de conversão à direita na Rua Paraguaçu e, posteriormente, a Avenida Mário de Andrade, chegando ao Terminal Barra Funda. As linhas da zona sul ficariam assim:

  • 6500 – Terminal Santo Amaro/Terminal Bandeira;
  • 637P – Terminal Santo Amaro/Terminal Pinheiros;
  • 577U – Metrô Santa Cruz/Butantã (USP);
  • 4113 – Gentil de Moura/Praça da República;
  • 4112 – Metrô Vila Mariana/Praça Júlio Prestes;
  • 408A – Metrô Ana Rosa/Metrô Barra Funda.

Zona Leste

A região leste de São Paulo manteve boa parte das linhas de trólebus mesmo durante o processo de desativação parcial. Muitas delas operam até os dias atuais apenas com alterações pontuais. Sendo assim, vou focar nas linhas que foram desativadas, como é a caso da 2101, 2102, 2280, 2340, 207U e 307U.

A linha 2101 – Praça Sílvio/Praça da Sé, tinha uma demanda baixa. Ela permaneceu operando com trólebus até o ano de 2008, quando teve os veículos elétricos substituídos por ônibus a diesel. A linha existe até hoje. Uma sugestão seria um prolongamento a partir da Praça Sílvio Romero até o Terminal Penha, seguindo pela Rua Serra de Bragança até conexão com a rede existente da Rua Cantagalo. Na outra ponta, a linha seria prolongada a partir da Praça da Sé até o Terminal Amaral Gurgel, seguindo pela Rua Boa Vista, Rua Líbero Badaró e Avenida São João.

A linha 2102 – Jardim Vila Formosa/Praça da Sé possui seu traçado praticamente todo coberto por outra linha de trólebus. A ideia aqui seria estender da Praça Vieira do Couto até o Shopping Aricanduva, se utilizando da Avenida Vereador Emílio Meneghini, parte da rede existente da Avenida Rio das Pedras, Avenida Aricanduva até o referido shopping.

As demais linhas, no caso a 2280 – Terminal Vila Carrão/Terminal Parque Dom Pedro II, 2340 – Terminal Penha/Terminal Parque Dom Pedro II, 207U – Terminal Aricanduva/Butantã-USP e 307U – Tatuapé (CERET)/Butantã-USP não sofreriam alterações. Por esta razão, as linhas com alterações teriam as seguintes denominações:

  • 2101 – Terminal Penha/Terminal Amaral Gurgel;
  • 2102 – Shopping Aricanduva/Praça da Sé.

Vale ressaltar que a linha 2340 voltou a circular com ônibus a diesel, só que com outra numeração, no caso 390E. No Edital de licitação assinado, consta que essa linha passaria a operar com trólebus, porém, até o momento, a São Paulo Transporte (SPTrans) tem desconversado sobre o assunto, dando a entender que utilizarão ônibus a bateria e não os trólebus.

Zona central

No centro de São Paulo vigorava as linhas do Serviço Circular Central (SCC), onde três linhas de trólebus interligavam os três principais terminais de ônibus (Bandeira, Princesa Isabel e Parque Dom Pedro II) do centro na época. Como as rotas eram bem estruturadas, também não haveria necessidade de alterações.

Fura-Fila

Deixamos o Fura-Fila separado porque muito embora estivesse em obras no ano 2000, a linha só foi inaugurada sete anos depois, mas sem os trólebus. Entretanto, os veículos elétricos sob fios chegaram a ser testados entre o Parque Dom Pedro II e a Praça Alberto Lion. Sendo assim, a linha 5105 – Terminal Sacomã/Terminal Mercado seria uma das que operariam com trólebus nos dias atuais.

Considerações

O sistema trólebus foi e continua sendo importantíssimo para a mobilidade urbana, sob várias óticas. Porém, é preciso haver bastante investimento para que funcionem adequadamente e atendam aos anseios das pessoas. Um dos pontos chave é o dinamismo, ou seja, acompanhar o crescimento da cidade se adaptando às mudanças. Não dá para ter linhas de trólebus criadas nos anos 50 com o itinerário rigorosamente igual. São Paulo mudou, cresceu, se reorganizou. É preciso que as linhas acompanhem isso.

Esse artigo teve o propósito de mostrar que com boa vontade, aquela rede do ano de 2000 poderia estar integralmente mantida e adaptada para a realidade atual. Entretanto, ocorreu uma desativação parcial que bagunçou tudo e inviabilizou eventuais planos de ampliação e modernização, além de fragilizar o sistema. Esperamos que, agora, não cometam esse erro pela segunda vez.

Óbvio que o local perfeito para a circulação dos trólebus é nos corredores exclusivos, porém, com uma boa reorganização viária, priorizando o transporte público, eles podem sim circular no viário comum. Isso beneficiaria não apenas os trólebus, como também os veículos comuns que sofrem diariamente com a falta de prioridade e fluidez no trânsito.

Mapa com as sugestões de readequações (Foto/confecção: Thiago Silva)