O Plamurb, todo ano, costuma solicitar os dados da tarifa de remuneração das linhas de metrô concedidas para a iniciativa privada, até como forma de mostrar o que há por trás desses contratos de concessão milagrosos, onde o setor privado nunca perde, enquanto as linhas públicas acabam ficando sempre com o ônus.
Para quem não se recorda, no caso das concessões, existe a tarifa pública, que é aquela que a gente paga, atualmente os R$ 4,40, e há, também, a tarifa de remuneração, que corresponde ao valor que o governo repassa para a ViaQuatro e ViaMobilidade, atualmente as únicas operadoras privadas da rede metroferroviária da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP).
Esse tipo de remuneração está contratualmente acordado e foi uma das formas de atrair o capital privado na operação de linhas sobre trilhos, evitando, ao máximo, que essas empresas fiquem no prejuízo, mesmo que para isso, se sacrifique o caixa do Estado.
Agora em 2023, a ViaQuatro vem recebendo R$ 6,32 por passageiro exclusivo e R$ 3,16 por passageiro integrado. Já na Linha 5-Lilás, a ViaMobilidade recebe R$ 2,45 por passageiro transportado, sem distinção, enquanto nas linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda, também operadas pela ViaMobilidade, o valor repassado por passageiro transportado está em R$ 3,64.
Sempre que colocamos essas informações, muitos questionam como funciona essa remuneração nas linhas estatais operadas pela Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) e Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Pois bem, a regra nessas duas empresas, embora muito perversa, é bem simples de ser entendida.
Primeiro que não há uma tarifa de remuneração para essas empresas. Aqui, neste caso, o termo correto é tarifa média. E por quê? Porque ainda não existe um contrato de gestão e o cálculo é feito pegando o total arrecadado e dividindo pelo número de transportados no ano. Para saber isso, basta olhar o relatório administrativo de ambas as empresas públicas, e é isso que sempre fazemos.
Sendo assim, ao analisar o material, notamos que no ano de 2022, a tarifa média do Metrô foi de R$ 2,07. Já na CPTM a tarifa média foi de R$ 2,95. Como a análise foi do ano passado, vamos usar a mesma referência de ano para as linhas privadas: na Linha 4-Amarela, obedecendo a mesma regra já explicada mais acima, os valores foram de R$ 6,01 e R$ 3,00. Na Linha 5-Lilás, esse valor foi de R$ 2,25. Nas linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda o valor foi de R$ 3,33.
Como nas linhas estatais a regra é desta forma, o valor da tarifa média só é sabido no primeiro trimestre do ano seguinte, após a contabilização e divulgação dos relatórios. Isso significa que iremos saber o valor da tarifa média das duas estatais no ano de 2023, apenas em abril do ano que vem, quando da publicação do balanço financeiro. De uma maneira geral, o valor da tarifa média do Metrô e da CPTM sempre vai variar de ano para ano, podendo ser para mais ou menos.
Mas há um ponto importante: por conta da política da Câmara de Compensação, que privilegia as empresas privadas, tanto o Metrô quanto a CPTM, não ficam com todo o valor arrecadado. Ambas ficam com uma parte do valor. A outra parte vai para cobrir as obrigações contratuais da ViaQuatro e ViaMobilidade.
Por essa razão, o governo acaba tendo que fazer aportes nas empresas públicas a título de recomposição ou subvenção, e usando desse argumento para justificar a concessão de linhas, alegando que ambas são empresas deficitárias. Porém, não é informado que boa parte das cifras arrecadas pelas empresas públicas vão para sustentar essas concessões milagrosas. Em outras palavras, é o uso de dinheiro público para manter o lucro das concessionárias privadas.
Agora vamos fazer um exercício simples. Entramos no site da ViaQuatro e coletamos os dados de demanda de passageiros embarcados e transportados por dia útil em um mês típico do ano passado, no caso de novembro de 2022. Atualmente, 70% dos passageiros da Linha 4-Amarela são integrados, portanto, a empresa recebeu os R$ 3,00 por cada um deles. Já os outros 30%, são passageiros exclusivos, ou seja, por cada um deles a concessionária privada recebeu R$ 6,01. Lembrando que estamos falando do ano de 2022 e os valores acima já passaram por reajuste agora em 2023.
Pois bem, se pegarmos a média diária por dia útil, que foi de 660 mil e aplicarmos a proporção de integrados e embarcados, é possível saber quanto que a empresa deve receber diariamente. Sendo assim, a ViaQuatro recebeu, em média, cerca de R$ 2,5 milhões. Guardem esse número.
Agora vamos para o Metrô. Em 2022, a média diária por dia útil foi de 2,6 milhões de passageiros. Considerando o valor de R$ 2,07 a estatal deveria receber cerca de R$ 5,3 milhões por dia operado. Lembrando que, no caso do Metrô é uma estimativa, já que o valor varia de ano para ano.
Tendo isso acima entendido, é possível fazer uma análise. Vejam, a ViaQuatro transportou quatro vezes menos por dia útil, mas recebeu, praticamente, metade do valor que o Metrô recebeu (ou deveria receber) no mesmo período. Lhe parece justo? A Linha 4-Amarela possui, 12,8 km de extensão e 11 estações. Já o Metrô possui 71,4 de extensão e 63 estações, considerando as quatro linhas.
Mais uma análise: se em vez dos 660 mil, a ViaQuatro transportasse os 2,6 milhões de passageiros do Metrô, respeitando a mesma proporção, ela receberia aproximadamente cerca de R$ 10 milhões, o dobro que a estatal metroviária recebeu em 2022. Não tem algo de errado aí? Embora a gente tenha usado como exemplo as linhas sob responsabilidade do Metrô, a situação da CPTM segue a mesma ótica, que se agravou após a concessão das linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda. A ViaMobilidade já está recebendo um valor maior que a CPTM, mesmo tendo uma malha três vezes menor.
Sabe, artigos como esse não tem o propósito de impor nada, muito pelo contrário. A ideia aqui é sempre fazer uma reflexão que, infelizmente, vem faltando na cabeça daqueles que apoiam as concessões incondicionalmente, sem ao menos, questionar se a ideia é boa, coerente e justa. Não dá para fingir que isso não está acontecendo. Se um dia concederem todas as linhas, como o atual governador, Tarcísio de Freitas, quer, nenhuma operadora privada vai querer ficar no prejuízo. A conta vai sair de algum lugar. Ainda dá tempo de salvar o nosso sistema de transporte sobre trilhos da mercantilização.
Excelente artigo! Este tópico deveria receber muito mais publicidade nos grandes veículos de comunicação e ser tema de análise constante por parte da sociedade e de seus representantes eleitos.
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Essa política tarifária parece-me muito ruim para as estatais e , consequentemente, para o Estado e contribuintes paulistas. Na prática, parece-me que as estatais e o estado paulista estão financiando a operação das empresas privadas para que essas fiquem no lucro. E acho que isso vai piorar se o governo Tarciso cumprir a promessa de privatizar as linhas 1, 2 e 3 do metrô e 15 do monotrilho. Não fiz as contas mas , se seguir esse modelo, vai ser um gasto enorme o que pode , num futuro próximo, na medida em que mais operadores privados vão aparecendo, comprometer os recursos públicos para a expansão do sistema.
O investimento em metrô e trem é daquele tipo em que o retorno social é maior que o retorno privado. Em outras palavras, o que se arrecada com as tarifas dificilmente consegue cobrir os custos ,mesmo considerando a possibilidade de arrecadar com outras fontes, como o aluguel dos espaços das estações. Inclusive, esse modelo de distribuição das tarifas cria ,ao meu ver, uma situação de lucro artificial para as empresas privadas operadoras. Lembrando ainda, que tais empresas não tem compromisso com a expansão do sistema. Na linha 4, por exemplo, o estado gastou cerca de 73% dos recursos na construção das linhas. No caso da linha 5, foi 100% nos seus 20km. No caso das linhas 8 e 9, toda a modernização e expansão ficaram a cargo do estado, à exceção da estação João Dias da linha 9, mera jogada de marketing para justificar a privatização.
O que vai assegurar um crescimento robusto da rede de metrô e de trens urbanos é o investimento público que pode ter como fontes, um IPVA maior, pedágio urbano, ,os recursos do ICMS, multas e os recursos federais,sejam eles diretos(recursos via tesouro nacional) ou com empréstimos do BNDES.Uma combinação de todas essas fontes seria o ideal. Inclusive, os países desenvolvidos da Europa e da Ásia têm redes invejáveis sobre trilhos graças principalmente aos seus estados nacionais.Não tenho preconceito contra o setor privado desde que ele venha para expandir o sistema e não pegar “pronto” e só operar.
Na minha opinião, essa política tarifária danosa é para justificar privatizações futuras e criminalizar o investimento público, com o argumento falacioso de que o privado é sempre melhor. E não só na mobilidade urbana mas também na saúde ,educação,previdência do servidor público e etc…A intenção, neste caso, é clara: se somarmos tudo que pode ser privatizado, isso é uma “mina de ouro” para o setor privado, ainda mais quando o estado ainda garante o lucro, como no caso dos metrôs e trens paulistas.Lembrete: o sistema de ônibus municipal da Cidade de São Paulo foi concedido em 1994 e se gasta uma fortuna anualmente para mantê-lo- mais de R$ 4bilhões!!!!. O que poderia, por exemplo, ser feito de metrô nesses quase 30 anos, se se gastasse uns 40% a menos ,por exemplo? Será que o governo do estado é tão incauto a ponto de fazer uma política danosa aos cofres públicos. Acho que não e digo abaixo o porquê,pois o contexto estadual não está separado do que vem ocorrendo em nível nacional a pelo menos 8 anos.
Por último, temos que entender o contexto político que estamos vivendo desde 2016, com a aprovação do teto de gastos no nível federal: a intenção é clara: abrir espaço para uma privatização selvagem , sem o compromisso de melhora e de expansão dos serviços e com o estado ainda garantindo o lucro quando for o caso. E com o metrô e trem não é diferente.
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Parabéns Pela matéria, pena que a grande parte que população que usa o sistema não sabem disso.
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Um absurdo atrás do outro! Vamos acordar, Gente!!!!!
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Privatiza tudo q resolve
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Podemos privatizar sua saúde, sua segurança… faça o teste…
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Vc esqueceu de colocar na conta o 1,5 bilhão que o governo teve que aportar no metrô por conta do resultado negativo, só os bobões caem no seu papo ideológico
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tem fontes desta informação?
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Só que o artigo foi muito claro em mostrar, meu caro, a origem do resultado negativo, baseado em dados. Se não entendeu, suguro releitura da matéria.
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Você poderia falar também dos benefícios sociais que o Metrô trás para o estado números que são próximos de 2,8 bilhões de reais por ano!!! Porquê?? Pelo fato de ser elétrico tem menos emissão de poluentes, portanto menos problemas de saúde pública com doenças pulmonares. Por ter menos carros e ônibus circulando tem menos atropelamentos, portanto menos gastos com tratamentos de traumas. Tem muito menos gasto de óleo diesel e gasolina. Tem, também, muuuuito menos gasto de tempo.
Todos esses números são aceitos pelo BID e BIRD para avalizarem empréstimos, portanto são números próximos dos reais.
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Não entendi ? As outras empresas tbm não trazem essa contra partida positiva ? Nesse caso deveríamos até culpar o metrô, uma empresa que ficou mais de 30 anos só com 3 linhas deixando o povo se matar, a única coisa que eles queriam é manter o clubinho privilegiado dos homens Geniais do Metrô.
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Se você usa esta lógica, tem um ponto: isso vale mais para a questão pública do que para o privado. Pois se você põe estes números como se fosse para um ente privado investir, ele vai querer lucrar em cima.
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Muito bom este artigo Thiago Silva!
Precisamos divulgar na grande imprensa, vou entrar em contato com uma assessoria de imprensa e gostaria de saber se vcs topam levar este assunto para ser divulgado na grande imprensa.
ET.: trabalhei na Cia do Metrô por 43 anos.
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O problema não é as estatais receberem pouco da câmara de compensação. O problema é o governo não fazer os aportes devidos para custear as estatais complementando o pouco que vem da câmara de compensação. Não tinha problema receber 0 da câmara, que é o que vai acontecer quando a linha 6 entrar em operação… o problema é sufocar as estatais não repassando o custeio que lhes é devido. A conta do subsídio para tarifa sai de algum lugar, que é o da arrecadação de impostos… e não tem problema nisso, basta fazer os aportes para que a operação das estatais tenha a qualidade que as pessoas desejam e que ao menos uma das estatais (a CMSP) já mostrou conseguir.
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