Trem na Linha 1-Azul (Foto: Thiago Silva)

O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) anunciou, na última segunda-feira, a ideia de conceder as linhas 1-Azul, 2-Verde e 3-Vermelha do Metrô de São Paulo. A proposta é fazer a concessão dessas linhas individualmente, de modo que a vencedora de cada ramal, construa uma nova linha. Sendo assim, de acordo com a declaração do chefe do executivo estadual, a Linha 1-Azul seria concedida em conjunto com a futura Linha 20-Rosa. A Linha 2-Verde seria concedida em conjunto com a Linha 19-Celeste. E, por fim, a Linha 3-Vermelha seria concedida com a Linha 16-Violeta.

A princípio, a ideia parece ser boa aos olhos de pessoas que não enxergaram além da proposta do Tarcísio, afinal, é de grande interesse viabilizar três novas linhas a partir da concessão de outras três linhas existentes. Porém, na prática, trata-se de algo ruim e que poderá ter impactos negativos no futuro comprometendo a ampliação de novos ramais no futuro.

Logo a seguir, vamos explicar as razões do perigo em fazer uma proposta desse tipo e como a atual gestão não está nem um pouco preocupada com as finanças do Estado e a viabilização de outras linhas futuramente.

Sem linhas públicas, sem novas linhas futuras

Já ouviram falar da expressão “vender o almoço para comprar o jantar”? Pois esse jargão popular cabe perfeitamente nessa proposta. Tarcísio quer vender o almoço para pagar a janta, ou seja, quer se desfazer de um ativo existente para financiar uma nova linha.

Caso essa proposta prospere, o governo paulista ficará sem nenhuma linha pública. Isso significa que caso se queira repetir essa perigosa ideia futuramente, não haverá como, afinal, a gestão atual já terá se desfeito dos ramais estatais.

Muito embora hoje as linhas 16-Violeta, 19-Celeste e 20-Rosa estejam em evidência, tanto o Metrô quanto a CPTM possuem outros projetos de novas linhas em curso. Os mais novos anúncios, por exemplo, tratam das linhas 22-Marrom e 24-Quartzo. E como o planejamento dessas empresas é constante, certamente nos próximos anos novas linhas poderão ser anunciadas. Ou ainda extensões dessas linhas planejadas.

O próprio Plano Integrado de Transporte Urbano (PITU) e a Pesquisa Origem e Destino (OD) são balizadores de estruturação futura do transporte metropolitano. Suas atualizações ou readequações vislumbram a necessidade de novas rotas, sejam sobre pneus ou sobre trilhos. Qualquer ação tomada agora, poderá comprometer negativamente as necessidades futuras.

Linhas 1, 2 e 3 compartilham suas infraestruturas

As linhas em questões foram construídas baseadas em sistemas e infraestruturas similares, até como forma de facilitar o intercâmbio entre elas. Tanto é que hoje, caso seja necessário, um trem de uma linha pode circular na outra. Equipamentos de manutenção também são compatíveis. Há, inclusive, a interligação entre esses três ramais em alguns trechos.

A partir do momento que você separa essas linhas, alguns gargalos surgirão da necessidade de uma operação independente. Em resumo, essas três linhas são interdependentes entre si. Se a ideia é conceder, e deixamos claro que somos contra, faria sentido que fizessem isso com as três linhas em conjunto.

Fragmentação de operadores aumenta o custo global

Esse é um ponto de alerta. Quanto mais operadores, maior o custo global, e vamos explicar. Até alguns anos atrás, Metrô e CPTM eram as duas únicas empresas operadoras. As estruturas dessas empresas eram moldadas de acordo com as linhas que operavam, obedecendo diversos critérios. Por exemplo, com apenas um Centro de Controle Operacional (CCO) cada, Metrô e CPTM controlavam todas as duas linhas. A partir do momento onde se faz concessão de linhas individualmente ou em pequenos grupos, começa a ser necessário que essas novas empresas tenham suas estruturas próprias. Isso significa que diversos equipamentos em duplicidade acabam sendo necessários.

Por exemplo, cada empresa deverá ter o seu CCO, o seu almoxarifado, o seu estacionamento, o seu lavador, enfim, diversas estruturas em duplicidade. Vejam, se antes um CCO poderia ser usado para controlar três ou quatro linhas, agora, com essa ideia de fazer concessões de linha por linha, será necessário um CCO para cada empresa ou duas ou três linhas, um custo completamente desnecessário.

Vejam, a CPTM, quando assumiu as linhas da CBTU e Fepasa, possuía três CCOs diferentes. Anos depois, ela unificou o controle das 6 linhas (e logo depois da Linha 13-Jade) em um único local, reduzindo custos e permitindo maior interação entre os ramais operacionalmente falando, além de garantir que seus funcionários pudessem estar cientes dos acontecimentos em todos ramais. Com a concessão das linhas 8 e 9, foi necessária a construção de um novo CCO para essas duas linhas. E agora, com a concessão da Linha 7-Rubi, será necessário um novo CCO para ela. Em outras palavras, a CPTM teve todo o trabalho e cuidado para unificar tudo em um local, e agora, com essas concessões desnecessárias, estão desfazendo tudo.

Isso sem contar o custo com os próprios funcionários. Se antes um Gerente de Operações era responsável por controlar diversas linhas, agora será um gerente para cada linha individualmente, o que encarece o custo global da infraestrutura metroferroviária. Há a necessidade disso?

Custo por passageiro será estratosférico

O custo por passageiro transportado já está alto. Com a concessão das linhas 1, 2 e 3 individualmente, além das demais linhas da CPTM, esse custo irá para as alturas. Vamos por partes.

Atualmente, um passageiro, em sua viagem, pode usar quantas linhas quiser, pois a transferência entre elas é livre, certo? Entretanto, por mais que ele pague apenas uma vez, o custo para o Estado é maior. Por exemplo, se hoje um passageiro decide ir da região da Faria Lima até o Capão Redondo, ele vai usar três linhas (4-Amarela, 9-Esmeralda e 5-Lilás). Ele pagou os R$ 5,00 para acessar a primeira linha, porém, o Estado terá que pagar para essas três operadoras. Sendo assim, serão R$ 6,32 para a Linha Amarela, R$ 3,64 para a Linha Esmeralda e R$ 2,45 para a Linha Lilás, chegando ao valor total de R$ 12,41. Ou seja, passageiro pagou R$, 5,00, mas o governo desembolsará mais que o dobro.

Essa situação acima se agravará à medida que mais concessionárias venham a operar linhas metroferroviárias e o passageiro decida fazer diversas baldeações em sua viagem, fato que poderá ser comum com a construção de novas linhas e as maiores possibilidades de integração entre elas.

Sendo assim, o orçamento do governo estará perigosamente comprometido para bancar as obrigações contratuais junto às operadoras e isso pode inviabilizar a construção de novas linhas. Imaginem o orçamento da Secretaria dos Transporte Metropolitanos (STM) sendo usado única e exclusivamente para honrar os pagamentos por passageiros para todas as operadoras privadas, impossibilitando estudos e trabalhos em novas linhas? E é isso que está se desenhando.

Diversas operadoras em uma mesma região metropolitana

O modelo adotado leva a crer que até o final dessa década, tenhamos, ao menos, 10 concessionárias diferentes operando aqui na RMSP. Vamos ilustrar a seguir o que está se desenhando:

  • ViaQuatro (Linha 4-Amarela);
  • ViaMobilidade (Linha 5-Lilás e Linha 17-Ouro);
  • ViaMobilidade 8 e 9 (Linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda);
  • Acciona (Linha 6-Laranja);
  • Grupo Comporte (Linha 7-Rubi);
  • Futura concessionária das linhas 11, 12 e 13;
  • Futura concessionária das linhas 10 e 14;
  • Futura concessionária das linhas 1 e 20;
  • Futura concessionária das linhas 2 e 19;
  • Futura concessionária das linhas 3 e 16.

Tem ainda a questão da Linha 15-Prata a se resolver, além da nova linha anunciada, a 22-Marrom e a 24-Quartzo. Se cada uma delas tiver uma concessionária diferente, subiremos para 13 operadores na próxima década.

Com exceção do Japão, onde existem diversas operadoras, desconhecemos essa mesmíssima situação em outro lugar. Vale lembrar que no caso do Japão, essa diversidade de operadoras é no serviço ferroviário geral, e não no sistema metropolitano. Na região metropolitana de Tóquio, que seria o correspondente da nossa RMSP, são duas operadoras do metrô, a Tokyo Metro e a Toei, ambas geridas pelo governo, tanto o federal quanto o metropolitano.

O metrô de Nova York é operado por uma empresa apenas, a MTA. O mesmo vale para o metrô de Paris, mantido pela RATP, assim como o metrô de Madrid, metrô de Santiago, metrô de Seul. Nesses exemplos citados, são no máximo dois operadores. Até mesmo o metrô do Rio de Janeiro, que é privado, possui apenas um operador gerenciando as três linhas atuais.

Agora caso os planos obtusos do governador Tarcísio tenham êxito, teremos nada mais, nada menos que 10 operadores, algo impensável e inviável. Já imaginaram a dificuldade de gerenciar tantos contratos diferentes, fiscalizar, intervir e até avaliar aumentos tarifários de modo que haja um equilíbrio financeiro entre todas as operadoras? Uma rede sobre trilhos não é uma rede sobre ônibus.

Agora pegando o exemplo do tópico anterior, imaginem a situação hipotética onde um passageiro usou todas as linhas das futuras 10 operadoras em sua viagem. Ele pagou os R$ 5,00, mas o Estado terá que desembolsar uns R$ 30,00 aproximadamente. Claro que isso é uma situação hipotética, mas repetimos, quanto mais operadores, maior é o custo para o governo. Isso se traduzirá em menos investimentos nas linhas futuras e existentes.

Outro ponto preocupante é que no que diz respeito à partilha das receitas. Quem acompanha o Plamurb sabe como funciona a Câmara de Compensação, onde as operadoras privadas possuem prioridade, cabendo ao Metrô e CPTM ficarem com, literalmente, o resto. Supondo que no futuro elas saiam de cena, vocês acreditam que as empresas que ficarem em seus lugares aceitarão as migalhas que hoje ficam para as duas empresas públicas. Obviamente que não. E de onde sairão os recursos?

Linha 3-Vermelha e Linha 16-Violeta não são conectadas fisicamente

Aqui há um fato curioso. Nesse pacote de concessões anunciado pelo governador, as linhas 3-Vermelha e 16-Violeta não são conectadas fisicamente entre si. Embora esses dois ramais possam ter diferenças operacionais, como a própria bitola, do ponto de vista logístico, é interessante que haja, ao menos, uma conexão física entre elas. Seria o mesmo que fazer uma concessão em conjunto entre as linhas 9-Esmeralda e 12-Safira. Não faz sentido.

No caso das linhas 1-Azul e 20-Rosa, e 2-Verde e 19-Celeste, elas se conectam entre si nas estações São Judas e Dutra, respectivamente. Pode parecer um ponto irrelevante, mas acreditamos ser oportuno no momento.

Custo das linhas 16, 19 e 20 são altíssimos

Acreditar que a simples concessão em conjunto das linhas atuais com as linhas futuras permitirá a viabilização desses novos ramais é muita inocência. Ao entrar no site da Secretaria de Parcerias em Investimentos (SPI), é possível ver o estágio dos estudos dessas linhas, seus custos estimados e a extensão de cada uma delas.

As linhas 19-Celeste e 20-Rosa somam um custo de R$ 45 bilhões de reais. Como a Linha 19-Celeste possui 15,8 km de extensão e a Linha 20-Rosa possui 30,2 km, fica subentendido que a primeira custará por volta de R$ 15 bilhões, enquanto a segunda, R$ 30 bilhões, o que daria uma média de R$ 1 bilhão por km em valores atualizados. Sendo assim, a mesma regra serve para a Linha 16-Violeta, que possui 32 km, ou seja, custará por volta de R$ 32 bilhões de reais.

Se somar os três valores, chegamos ao custo de R$ 78 bilhões para tirar os três ramais do papel, dinheiro esse que o setor privado não terá como arcar, mesmo dando como garantia as linhas 1-Azul, 2-Verde e 3-Vermelha.

Mesmo em se tratando de uma Parceria Público-Privada (PPP), onde os custos seriam divididos, no melhor dos cenários, ou seja, uma divisão de 50% para cada lado, Estado e capital privado seriam responsáveis por nada mais, nada menos que R$ 39 bilhões. Nem mesmo empréstimos junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) seria possível para uma cifra tão alta.

Porém, no Brasil o verdadeiro significado de PPP é pouca participação privada, ou seja, dificilmente a “iniciativa” privada toparia bancar quase R$ 40 bilhões mesmo recebendo uma linha já existente, operacional e com demanda consolidada, como contrapartida. Certamente o Estado ficaria com a maior parte desta PPP, basta lembrar do famigerado projeto do Trem Intercidades, onde o governo ficou com 75% dos custos, garantiu 90% da receita e teve um desconto insignificante de 0,01% do vencedor do leilão sobre a contraprestação.

Conclusão

Jogar ideias ao vento e fazer declarações aleatórias sem embasamento algum, se tornou a marca da gestão Tarcísio, ao menos na área de mobilidade e saneamento, foco deste blog. Essa proposta reforça isso. Desde que assumiu o governo, muitas declarações acabaram se tornando descabidas. Até mesmo no processo de privatização da Sabesp, onde a gestão estadual quer reduzir a tarifa a partir do uso dos recursos assegurados no processo de venda da empresa. É como se você vendesse seu carro e ajudasse o novo dono a abastecer o automóvel dali em diante. Sem noção total.

“Mas Plamurb, qual solução vocês dão então”? Não existe uma única solução. É sabido que construir uma nova linha nova de metrô não é nem um pouco barato, até pela disposição do tecido urbano da RMSP, com áreas altamente adensadas e consolidadas. Entretanto, não se pode querer agarrar o mundo buscando conceder as linhas atuais sob a falsa ilusão que três ou quatro novas linhas serão construídas de forma simplista. Nunca foi assim e nunca será, mesmo nos mais otimistas cenários.

A primeira coisa a se fazer é priorizar. Qual linha é prioridade sob os mais variados aspectos (reequilíbrio da rede, inauguração parcial e conexão com a rede existente, atendimento a regiões desatendidas, custo, facilidade de implantação, obtenção de recursos privados, financiamento junto aos órgãos de fomentos, etc).

Em um segundo momento é preciso avaliar como atrair investidores ou parceiros para levantar o maior valor possível com relação ao custo total da linha. Aqui, neste caso, é possível uma união e prefeituras, governo e União. Além disso, a exemplo do Japão, viabilizar a exploração comercial e imobiliária ao longo da linha, de modo que os recursos obtidos sejam revertidos para a construção de linha.

Um terceiro ponto trata dos impostos que o governo arrecada e a possibilidade de reverter ao projeto que se busca construir. Isso inclusive já usado em várias metrópoles mundo afora. No caso do Brasil, talvez sejam necessárias novas redações de legislações vigentes ou a criação de leis futura. O que não se pode é vender ilusão como o governo vem feito.

Até agora, por exemplo, o melhor modelo é o da Linha 6-Laranja, onde o privado constrói e opera a linha por um prazo estabelecido. Essa sim é uma verdadeira PPP, onde Estado e privado dividem os custos quase que no mesmo percentual, assim como mostramos neste artigo aqui. Mas parece que a gestão Tarcísio tem preguiça em pensar e bolar ideias para viabilizar linhas futuras.

O que não se pode é se desfazer do Metrô ou CPTM enquanto operadoras, empresas essas que já mostraram sua competência altamente qualificada na operação, gestão e planejamento da rede metropolitana sobre trilhos.

Se essa ideia mirabolante da gestão atual fora levada adiante, das duas uma: ou teremos uma queda abrupta na qualidade das linhas 1, 2 e 3 do Metrô, a exemplo do que vem acontecendo com a ViaMobilidade nas linhas 8 e 9, ou sequer as linhas planejadas serão construídas. Quem viver, verá.