Ônibus superarticulado do sistema da SPTrans (Foto: Thiago Silva)

Todo fim e começo de ano é a mesma coisa: aumentar ou não o valor da tarifa do transporte coletivo por ônibus nas cidades? Aqui em São Paulo, a situação está, nas palavras do prefeito Ricardo Nunes (MDB), crítica. Se não aumentar, o transporte pode colapsar, segundo declaração recente, o que fará com que seja obrigado o aumento dos subsídios. Se aumentar, vai impactar negativamente no bolso de quem usa, podendo causar uma evasão, o que acabaria criando outro problema financeiro para as empresas de ônibus e, consequentemente, para a prefeitura, que seria obrigada a aumentar os subsídios. É um círculo vicioso.

Mas olhando bem o que foi descrito no parágrafo anterior, tudo leva a aquilo que estamos cansados de dizer aqui: que até o momento, quem vem financiando o sistema é apenas o passageiro, o que já se mostrou insustentável em qualquer parte do mundo. Veja, o valor da tarifa pública precisa ser acessível para que a característica, o viés social do serviço exista. Por esta razão, um sistema de transporte não se sustenta apenas por meio daquilo que o usuário paga. Para que isso ocorresse, o valor da tarifa deveria ser, praticamente, o dobro do que é cobrado hoje nas grandes cidades do país, o que tiraria status social e inviabilizaria o uso de boa parte da população. Novamente temos o tal círculo vicioso.

O prefeito, então, e seus secretários, ficam batendo cabeça em uma situação que, muito provavelmente, eles tenham conhecimento sobre como ajudar a amenizar os impactos negativos, mas parece que a preguiça (não queríamos usar esse termo, mas depois de tanto falar, não enxergamos outro adjetivo) ou a falta de boa vontade impera.

Mas mais especificamente aqui em São Paulo, até por conta de sua singularidade, algumas ações poderiam ajudar a não aumentar ou reajustar pouco o valor da tarifa. Sim, é chover no molhado, sabemos, mas vamos elencar novamente, para que, ao menos, fique registrado, afinal, transporte público não deve ser visto como um produto de prateleira, fato que nos últimos 20 anos vem ocorrendo. Acompanhem:

  • Corredores e faixas exclusivas: essas duas estruturas permitem uma maior fluidez dos coletivos, tornando as viagens mais rápidas e eficientes. Por conta disso, um mesmo veículo pode realizar um número maior de viagens. Isso significa que, dependendo do caso, a frota de uma linha poderia ter alguns veículos a menos, sem que haja aumento na lotação ou do intervalo. É simples: sem interferências, os ônibus conseguem ir e voltar em um tempo menor. Assim, o custo do transporte tende a reduzir, o que, em tese, impactaria, também, no valor da tarifa. Com a atual quilometragem de faixas e corredores na cidade de São Paulo, isso acaba ficando impraticável. Lembrando que a gestão Doria/Covas (ambos do PSDB) paralisou a implantação dessas estruturas, sendo que a retomada ocorreu, de fato, no segundo semestre do ano passado, mas de maneira bem tímida. Não existe segredo. O ônibus precisa de espaço para circular;
  • Preferência semafórica nos cruzamentos: em muitos cruzamentos importantes da cidade, os ônibus perdem muito tempo em decorrência do tempo semafórico. Portanto, em vias onde há um grande número de linhas ou de passageiros circulando por hora/pico/sentido, deveria haver uma prioridade, que poderia ser por meio de um verde veicular maior, durante o dia todo ou, ao menos, nos horários de pico. Com o advento dos semáforos inteligentes, laços detectores poderiam ser instalados sob o asfalto das vias por onde os ônibus circulam, identificando sua presença e adequando o tempo do sinal;
  • Reverter parte dos seccionamentos: sabemos que os seccionamentos de linhas fazem parte do processo de troncalização, reorganização ou racionalização de um sistema de transporte. O problema é que aqui em São Paulo as últimas gestões perderam o bom senso nesse sentido. Vários seccionamentos ou cortes de linhas foram realizados em locais completamente errados, sem uma estrutura adequada e sem que houvesse uma boa alternativa. Como já cansamos de dizer, seccionamento deve ser realizado apenas em terminal ou estação de transferência, e ainda assim, deixando alternativas para o passageiro que não quiser baldear durante sua viagem até o centro, por exemplo. Sem contar que os seccionamentos encarecem o serviço, já que o passageiro acaba registrando seu Bilhete Único (BU) várias vezes em um mesmo sentido de viagem (e a empresa recebe por cada catracada). Outro detalhe é que há o agravante do tempo de espera entre o primeiro e o segundo ônibus que acaba incomodando o passageiro. E se não houver uma infraestrutura adequada que resulte em um tempo menor de viagem, mesmo com a espera entre baldeio, o passageiro vai migrar, sim, para outro modo, caso tenha essa possibilidade;
  • Troca do tipo de tecnologia: hoje, muitas linhas de ônibus circulam com veículos inadequados levando em conta a demanda e o viário ao longo do itinerário. São linhas que rodam com veículos articulados ou superarticulados, quando poderia operar muito bem com ônibus do tipo padron ou até mesmo básico. E o mesmo vale para linhas que operam com padron, mas poderiam rodar com micros. Na zona norte de São Paulo temos, por exemplo, as linhas 175P/10 (Metrô Santana/Metrô Ana Rosa) e 701U/10 (Metrô Santana/Cidade Universitária) que operam essencialmente com superarticulados, veículos com 23 metros, mas poderiam operar perfeitamente com padrons. E ainda na zona norte temos a linha 2030/10 (Lauzane/Metrô Santana) que opera com padrons ou básicos e poderia operar com micros, como acontecia há poucos anos. E temos certeza de que isso acontece em todas as regiões da cidade, principalmente aquelas que receberam novas linhas de metrô. Frota inadequada ou desnecessária encarece demais o custo do serviço;
  • Tornar os bilhetes temporais vantajosos novamente: quando foram lançados, os bilhetes temporais (diário, semanal e mensal) eram muito mais vantajosos que atualmente. Até o começo de 2017, o valor da cota mensal era sempre menor que o valor da tarifa comum somada pelos 22 dias úteis (ida e volta). Para quem trabalhava de segunda a sexta, onde há uma grande necessidade do uso do transporte público, o Bilhete Mensal (BM) era muito vantajoso. Mas nesse mesmo ano, o então prefeito João Doria (PSDB), reajustou todas as modalidades e extinguiu uma delas (semanal). Resultado: os bilhetes temporais deixaram de ser vantajosos para a maioria dos passageiros. Caso a tarifa seja reajustada, ao menos poderiam reduzir o valor dos bilhetes temporais, impactando menos no bolso do passageiro e, ao mesmo tempo incentivando o uso do transporte público;

Além dessas, há outras ações um pouco mais demoradas ou complexas, mas que poderiam ter um início imediato para que pudéssemos ter um resultado em médio ou longo prazo. Vejam:

  • Financiamento do sistema: é preciso urgentemente buscar outras fontes que possam financiar o sistema, já que, como foi dito, jogar esse custo apenas nas costas de quem paga é economicamente inviável;
  • Reestatização parcial da operação: embora muitos torçam o nariz quando se fala em reestatização, ela é sim uma alternativa que pode reduzir custos, a tarifa e melhorar a qualidade do serviço. Porém, essa assunção por parte do poder público se limitaria, por exemplo, às linhas de trólebus, linhas “deficitárias” (ou aquelas que não são interessantes para as concessionárias privadas) e, talvez, algumas linhas perimetrais ou troncais;
  • Assunção das garagens pelo poder concedente: essa ideia já chegou a ser levantada na gestão de Fernando Haddad (PT) e o Plamurb concorda. Caso as garagens fossem de propriedade da prefeitura, isso poderia facilitar a entrada de novos empresários que não o fazem por não ter uma área para guardar sua frota. Isso poderia reduzir custos e atrair possíveis interessados na operação;
  • Rever modelo ou contrato de concessão: os contratos de concessão são feitos, entre outras coisas, pensando em garantir um retorno financeiro das empresas. Por esta razão, em situações atípicas ou emergenciais, como a da pandemia, a prefeitura é obrigada a fazer aportes contratuais. Na última licitação, isso poderia ter sido revisto, mas por alguma razão (dizem que o Edital foi elaborado de modo a não afastar os atuais operadores, como forma de garantir a continuidade da prestação de serviço), muitos pontos não foram melhorados, fazendo com que as empresas vencedoras fossem, praticamente, as mesmas que operam há décadas. E, pior, todas elas ofertaram o teto exigido pela prefeitura;

Todas as alternativas, com boa vontade, podem e deveriam ser consideradas se houvesse a preocupação em melhorar a qualidade do serviço. A prefeitura, certamente, deve ter conhecimento sobre cada um dos pontos abordados pelo blog. Ano a ano o transporte vem perdendo o viés social e com esses aumentos absurdos, no futuro, só quem possuir muitos recursos, poderá usá-lo, afastando quem, de fato, precisa.

Desde o fim da Companhia Municipal de Transporte Coletivo (CMTC), quando se decidiu que toda a operação seria privatizada, ocorreram três licitações e em todas elas, erros passaram batidos e, pior, levados para os certames futuros. O resultado está aí. Um sistema caro, ineficiente, engessado e que está muito aquém daquilo que poderia ser ideal para quem o usa diariamente.