Protótipo do Fura-Fila (Foto: Jorge Françozo de Moraes)

O Fura-Fila foi uma proposta do prefeito Celso Pitta (PPB), durante sua campanha política em 1996. Tratava-se de um sistema operado por trólebus biarticulado guiado por canaletas e que circularia por uma via elevada e exclusiva. Denominado de Veículo Leve sobre Pneus (VLP), seria uma grande revolução no transporte.

Durante a gestão de Pitta (1997 – 2000), parte da infraestrutura foi instalada e os testes com os veículos elétricos foram realizados até pouco antes da Praça Alberto Lion, no Ipiranga. Com o término de seu mandato, o projeto ficou abandonado. Já na gestão Marta Suplicy (PT), foi decidido que dariam continuidade à obra, fazendo algumas alterações, como a não utilização de veículos trólebus e sim veículos híbridos e rebatizando-o de Paulistão. Entretanto, a obras caminharam a passos muito lentos, e no fim de sua gestão, mais uma vez, o projeto não tinha sido inaugurado.

Já na gestão de José Serra (PSDB), o projeto, efetivamente, caminhou e optou-se por usar veículos híbridos e também veículos comuns movidos a diesel. Em 2006, Serra deixou a prefeitura para concorrer ao governo do estado, sendo que seu vice, Gilberto Kassab (PSD), ficou no lugar e deu continuidade às obras.

O primeiro trecho do corredor foi inaugurado em 2007, ligando o Terminal Mercado ao Terminal Sacomã. Ainda em sua gestão, foi inaugurado o trecho até o Terminal Vila Prudente. Com José Serra no governo do estado e Gilberto Kassab na prefeitura, no final da década de 2010, ambos firmaram um acordo onde o, rebatizado, Expresso Tiradentes pararia na Vila Prudente e a partir dali o Metrô de São Paulo, tocaria as obras para a Cidade Tiradentes, sendo que esse trecho seria operado por monotrilho, a atual Linha 15-Prata.

Entretanto se puxarmos pela história, a rede básica do antigo Fura-Fila seria maior, com diversas interligando e conectando todas as regiões da cidade. Pensando nisso, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), entramos em contato com a São Paulo Transporte (SPTrans) solicitando os dados do projeto da rede do Fura-Fila. Fomos prontamente atendidos pela empresa paulistana e, logo a seguir, vamos reproduzir os detalhes.

A rede básica do Fura-Fila teria uma extensão mínima de 125 km, dividas em 6 linhas. As linhas atenderiam as regiões do Parque Novo Mundo, São Mateus, Sacomã, Cidade Dutra, Santo Amaro e Brooklin. Haveria uma outra linha em estudo, que sairia da região da Avenida Celso Garcia, passaria pela zona norte, cruzaria a Marginal Tietê na altura da Ponte da Casa Verde e chegaria até Pinheiros.

Sendo assim, vamos detalhar um pouco o projeto e fazer algumas observações importantes sobre ele.

Linhas propostas

A linha para o Sacomã teria 13,1 km de extensão, uma frota de 44 veículos e uma demanda de 196 mil passageiros por dia. Seu traçado é o mesmo do que existe hoje que, na prática, foi a única linha constituída. Ela seguiria pelo eixo das avenidas do Estado, Juntas Provisórias e Luís Inácio de Anhaia Melo, interligando os terminais Parque Dom Pedro II, Sacomã e Vila Prudente. Porém, o traçado seguiria até o cruzamento com a Avenida Salim Farah Maluf.

A linha para São Mateus teria 29 km de extensão, uma frota 106 veículos e uma demanda de 404 mil pessoas por dia. O traçado seguiria pelas avenidas Sapopemba, Salim Farah Maluf e Celso Garcia, chegando ao Parque Dom Pedro. Aqui, certamente, ela usuária parte da rede elétrica existente. A imagem que a SPTrans enviou, mostra que haveria uma bifurcação no sentido bairro da Avenida Celso Garcia.

A linha para o Brooklin teria 21,1 km de extensão, 60 veículos e uma demanda de 287 mil pessoas por dia. Ela sairia do Terminal Sacomã, seguindo pelas avenidas Tancredo Neves, Maria Maluf, Jornalista Roberto Marinho, e Luiz Carlos Berrini, chegando a Pinheiros por meio da Avenida Brigadeiro Faria Lima. Um ponto importante é que essa linha teria o traçado perimetral, necessário para uma cidade do porte de São Paulo.

A linha para a Cidade Dutra teria 23 km de extensão, uma frota de 72 veículos e uma demanda diária de 172 mil pessoas. Ela percorreria o corredor Norte-Sul, saindo da Praça da Bandeira e seguindo pelas avenidas 23 de Maio, Washington Luís e Interlagos, passando ao lado do autódromo de mesmo nome.

A linha para o Parque Novo Mundo sairia do bairro de mesmo nome, trafegaria pela Avenida Guilherme Cotching, passaria pelo Pari e chegaria ao Parque Dom Pedro II a partir da Avenida do Estado. Teria 21,1 km de extensão, 40 veículos e uma demanda de 172 mil pessoas por dia. Seria a única linha da zona norte naquele momento.

Por fim, a linha para Santo Amaro teria 18,3 km de extensão, 116 veículos e uma demanda de 380 mil pessoas por dia. Nada mais era do que a adaptação do Corredor 9 de Julho/Santo Amaro. Ou seja, o referido corredor seria transformado em uma rota do Fura-Fila. Neste caso seria bem simples, pois já havia eletrificação em todo o corredor, bastando a adequação das paradas por exemplo.

Estava em estudo uma outra rota, que faria um traçado perimetral pela zona norte e oeste, passando pelas regiões do Belém, Pari, Santana, Casa Verde, Barra Funda e Pinheiros. Além dessa, havia a sugestão de um traçado indo pela Avenida Radial Leste achegando até o cruzamento com a Avenida Aricanduva, que poderia ser o embrião do BRT Radial Leste. A seguir, uma tabela com as rotas sintetizadas.

Informações sobre as linhas do Fura-Fila (Foto/fonte: Thiago Silva/SPTrans)

O traçado das linhas

Ao analisar o traçado das linhas, percebe-se que a maior parte seria radial, porém, quando todos os traçados estivessem prontos, eles formariam um anel, que circundariam o centro da cidade. Isso seria um grande benefício, pois permitiria deslocamentos rápidos sem a obrigação de passar pelo centro, o que aumentaria a racionalidade dos deslocamentos, reduzindo o tempo de viagem.

E como todas as linhas estariam interligadas entre si do ponto de vista físico, poderiam ser criadas linhas circulares diretas, sem a necessidade de trocar de veículo. Essas linhas poderiam operar em dias ou horários específicos, de modo a beneficiar o maior número de pessoas possíveis.

Nós do Plamurb, a partir do que nos foi enviado, fizemos um mapa com o traçado das linhas. Pela dificuldade de orientação geográfica, desenhamos o itinerário de forma aproximada, considerando o viário local.

Rede básica do Fura-Fila (Foto/confeccção: Thiago Silva)

Aumento da presença do trólebus na cidade

É de conhecimento de todos que o Fura-Fila seria operado por trólebus biarticulados. Sendo assim, ao olharmos as extensões previstas e a frota de veículos, teríamos uma ampliação avassaladora do sistema na capital.

No ano 2000, que é considerado o auge do sistema trólebus na capital, haviam cerca de 550 veículos, 26 linhas e uma malha de 343 km de rede. Se os planos do Fura-Fila tivessem se concretizado, haveria um grande acréscimo na rede paulistana. A frota subiria para 988 veículos. As linhas chegariam a 31 e a malha geral saltaria para 450 km. Nesses dois últimos casos, excluímos os dados da rota para Santo Amaro, por ser uma adaptação de um corredor de trólebus já existente.

Com esse aumento, certamente o sistema ficaria um pouco mais blindado contra decisões políticas e desastrosas, como foi na gestão Marta Suplicy, que extinguiu boa parte dos trólebus que circulavam na capital. Seria uma forma de mostrar que, em locais adequados, esse tipo de veículo opera muito bem e possui um desempenho muito superior a qualquer outra tecnologia.

Abaixo, fizemos uma sobreposição da rede de trólebus do ano 2000 sobre a malha projetada do Fura-Fila.

Rede de trólebus e do Fura-Fila (Foto/confeccção: Thiago Silva)

Características técnicas e operacionais

No material enviado pela SPTrans, constam algumas características operacionais do serviço, e técnicas dos veículos. Vamos falar um pouco delas.

As demandas por hora iam girar entre 12 mil e 30 mil pessoas por sentido. A via seria exclusiva e segregada do tráfego geral. O embarque e desembarque seria em nível. A velocidade média seria de 30 km/h. A cobrança seria do lado de fora do veículo, ou seja, nas estações.

Com relação ao veículo, ele seria um trólebus biarticulado com 25 metros de comprimento guiado por canaletas, largura de 2,6 metros, velocidade máxima de 50 km/h, capacidade de 53 passageiros sentados e 197 em pé. Haveriam 4 portas de cada lado e os trólebus teria ar-condicionado. A rede aérea seria do tipo flexível.

Demanda de trem

Um detalhe que nos chamou a atenção, são os números referentes à demanda e os passageiros transportados por hora/sentido. A linha para São Mateus teria uma demanda de 404 mil por dia e o carregamento geral poderia chegar a 30 mil pessoas. Isso, sem dúvidas, já é demanda para uma linha de trem. Não sabemos como esses números foram estimados, mas sem dúvidas é surpreendente o potencial da rede básica do Fura-Fila.

Ainda sobre esse assunto, caso esses números sejam fidedignos, certamente seria o momento para se pensar em substituir por uma linha de trem, já que não haveria como dar conta da demanda.

Mais um projeto que ficou no quase

O Fura-Fila tinha um potencial muito promissor em termos de mobilidade urbana e transporte público. Porém, mais uma vez, foi uma obra que ficou no “quase” e entrou para o rol de projetos que ficaram apenas no pé, sendo que os impactos são sentidos até os dias atuais.

Se tivesse avançado, poderíamos pensar em substituir alguns corredores atuais para o padrão Fura-Fila, assim como estava previsto na linha para Santo Amaro. Certamente a cidade ganharia muito. Entretanto, como sempre, somos reféns da cultura pró automóvel, onde obras de transporte coletivo precisam, antes de mais nada, pedir permissão ao automóvel.

Logo abaixo, vamos deixar um vídeo do canal do nosso colega Jorge Françozo de Moraes, onde ele mostra os testes do VLP no Autódromo de Interlagos.