Trens da Supervia (Foto: Reprodução/Internet/Crédito ao autor)

A situação da Supervia, empresa privada que controla todo o sistema de trens metropolitanos no Rio de Janeiro (RJ), está crítica, com possibilidades reais de paralisação do serviço a qualquer momento. Nos últimos anos isso ficou bem evidente, com a queda brutal da qualidade do serviço e o aumento dos problemas do cotidiano.

O Plamurb chegou a fazer um artigo no ano de 2017 contextualizando o histórico da operação, e você pode ler clicando aqui. Via de regra, a concessão, firmada em 1998, previa melhorias vultosas, com a estimativa de 1 milhão de passageiros transportados, porém esse número jamais foi atingido. O recorde foi de 729 mil passageiros em 2016. A média normal era de 670 mil antes da pandemia. Após o período pandêmico, o número de transportados diariamente não passou dos 300 mil.

Ano passado foi criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que fez algumas recomendações para a melhoria do serviço. Algumas delas eram a realização de concurso público para a Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos de Transportes Aquaviários, Ferroviários, Metroviários e de Rodovias do Estado do Rio de Janeiro (Agetransp), redução do valor da tarifa, recriação do batalhão ferroviário, reestatização ou nova licitação. Você pode ler detalhes aqui.

Mesmo com essas recomendações, que não chegaram a ser implementadas, diga-se de passagem, a situação só veio piorando, ao ponto de a concessionária decidir devolver a operação ao governo do RJ. O governo, agora, corre contra o tempo para saber o que fazer, diante da necessidade em manter o serviço em operação.

Antes de mais nada, consultamos as demonstrações financeiras da empresa referente ao ano de 2023 para ter uma noção real do que acontece, e o que vimos são números alarmantes. Vejam logo a seguir:

  • Ativo circulante: R$ 221 milhões;
  • Ativo não circulante: R$ 2,0 bilhões;
  • Passivo circulante: R$ 1,5 bilhão;
  • Passivo não circulante: R$ 674 milhões;
  • Patrimônio líquido: R$ 49 milhões;
  • Prejuízo no exercício: R$ 372 milhões;
  • Receita operacional líquida: R$ 613 milhões;
  • Custos dos serviços prestados: R$ 567 milhões.

Caso queriam ler o balanço completo, vamos deixar o link aqui. É importante analisar todo o documento para ter uma noção real da situação. A seguir, algumas reproduções do relatório.

Ativo (Foto: Relatório Supervia)
Passivo e patrimônio (Foto: Relatório Supervia)
Prejuízo (Foto: Relatório Supervia)
Receita operacional líquida (Foto: Relatório Supervia)
Custo dos serviços prestados (Foto: Relatório Supervia)

Intervenção da CENTRAL

A Companhia Estadual de Engenharia de Transportes e Logística (Central), vinculada à Secretaria Estadual de Transportes, é uma empresa pública sucessora da Flumitrens, empresa estatal que operava o sistema de trens metropolitanos antes da concessão. A Central foi criada em 2001 e passou a ser, digamos, uma empresa de planejamento e dona do patrimônio concedido à Supervia. Em outras palavras, em um eventual fim da concessão, todos os ativos voltariam para ela. E diante do que está acontecendo, parece que essa situação não demorará muito a se efetivar.

Na semana passada, a Frente Parlamentar Pró-Ferrovias Fluminense e a Comissão de Transporte, ambas da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), receberam uma minuta com o Plano de Contingência elaborado pela Central. O plano em questão trata de uma possível intervenção caso a Supervia não consiga prosseguir com as suas operações, uma vez que já declarou não possui condições financeiras de seguir em frente.

De acordo com informações da página da Alerj, foram protocolados dois planos para lidar com o encerramento do contrato da Supervia. Para os primeiros 180 dias de operação, foi apresentado um Plano de Contingenciamento, que tem como objetivo garantir a continuidade dos serviços de transporte e minimizar os impactos para os passageiros. Em seguida, poderá ser implementado o Plano de Estabilização, que tem como exemplo a estrutura de concessão e privatização de outros estados do Brasil. Como a empresa possui apenas 200 funcionários, será necessária a terceirização de serviços, dividindo-os em dois, sendo a operação e manutenção.

Calcula-se que o valor necessário para o plano de estabilização da ferrovia seja da ordem de R$ 1,3 bilhão. A ideia é retomar o mesmo número de passageiros no período anterior à pandemia, ou seja, os 670 mil. O ponto de equilíbrio (breakeven, em inglês), seria de 400 mil passageiros.

A Agetransp, apresentou dois relatórios com o balanço de infrações e multas da SuperVia. Desde agosto de 2023, a concessionária foi multada mais de 20 vezes, e apenas uma multa foi paga. Ao todo, a empresa ainda deve 81% de todas as multas que já recebeu do Estado do Rio de Janeiro.

A CPTM dando exemplo

Quando se olha para essa situação, é impossível não se recordar da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). A estatal paulista teve a mesma origem da Flumitrens, e tão logo assumiu as linhas da CBTU e Fepasa, implantou um plano de contingenciamento e regularização, mantendo a operação e a melhorando gradativamente, chegando ao patamar atual, que nem de longe lembra a herança dos anos 90.

Sobre a minuta do Plano de Contingência que foi recebida na Alerj, a transmissão foi exibida ao vivo na TV Alerj. Aos 43 minutos, o presidente da Central, senhor Fabrício Abílio, afirmou que uma das maiores dificuldades é precificar o operador e como calcular o km. Sendo assim, eles vieram a São Paulo e procuraram a CPTM, por ela ter uma tabela EMOP da ferrovia.

Esse é um ponto de alerta. Por ser uma empresa que apenas faz o gerenciamento e que abriu mão da operação, a Central não tinha como mensurar os custos para uma eventual encampação e, por isso, foi necessária a consulta junto à CPTM. Isso mostra o que pode acontecer caso a estatal paulista deixe de operar linhas, como o atual governador Tarcísio de Freitas quer.

A CPTM, goste ou não, é uma referência para muitos aspectos. No Brasil, não há outra empresa que opere dentro de um contexto urbano tão heterogêneo. Antes da desnecessária concessão de linhas, a empresa pública paulista possuía 273 km de trilhos, 7 linhas, 96 estações e 23 municípios atendidos. E cada linha é um universo diferente, daí a habilidade da CPTM em poder orientar diversos outros operadores. Isso é inegável. A Supervia, até por sua origem, tem algumas similaridades com a empresa paulista, como a extensão da rede, número de estações e grande número de municípios atendidos.  Nada mais coerente do que a consultar.  

O que esperar, tanto no RJ quanto em SP?

Começando pelo RJ, o natural seria a Central assumir de vez a operação dos trens. A manutenção poderia ser contratada, assim como a segurança e limpeza, por exemplo. A operação em si, certamente deveria ser controlada pelo Estado. A Supervia possui cerca de 2600 funcionários, na ordem de 1500 terceirizados, de acordo com informações da própria Central.

Os valores descritos mais acima, da ordem de R$ 1,3 bilhão para a recuperação da malha, não devem ser vistos como custo e sim como investimento. Esse valor não é nada se avaliarmos o grande potencial do sistema de trens metropolitanos do RJ. Quanto melhor a qualidade, mais atrativo é o serviço e isso influencia na decisão do passageiro de usar o sistema ferroviário ou não.

Por outro lado, e, ao mesmo tempo preocupante, a situação da Supervia e as dificuldades da Central em sua intervenção, é um sinal de alerta do que está se desenhando em São Paulo com a ideia burra de querer conceder a operação totalmente ao setor privado. Não se trata de demonizar a concessão e nem ser pessimista. Porém, delegar toda uma atividade estratégica e com teor social para quem tem compromisso apenas com o retorno financeiro é perigosíssimo. Ainda dá tempo de colocar o pé no freio e analisar melhor essa decisão.